terça-feira, maio 24

Solidão coletiva

São Paulo, terça-feira, 24 de maio de 2011

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Solidão coletiva

Mais que escolha afinada com o individualismo dominante, a solidão é doença, dizem estudos novos segundo os quais estamos vivendo uma epidemia

Daniel Marenco/Folhapress
A atriz Maristela Vanini, 39, que mora em São Paulo

GUILHERME GENESTRETI
DE SÃO PAULO

Solidão virou epidemia. Há mais casas habitadas por uma única pessoa e estamos confiando menos uns nos outros, dizem as pesquisas.
Ainda assim, está cada vez mais difícil ficar sozinho. Basta um clique, e centenas de amigos invadem nossos computadores nas redes sociais.
Estar imerso na internet ou ser rodeado de parentes não muda o quadro "epidêmico", diz o psicólogo americano John T. Cacioppo, que é diretor do Centro de Neurociência Cognitiva e Social da Universidade de Chicago (EUA).
Ele é autor de "Solidão ""A Natureza Humana e a Necessidade de Vínculo Social" (Ed. Record), livro que reúne quase 20 anos de suas pesquisas sobre o tema.
O mote é o seguinte: a espécie humana evoluiu graças às relações entre os indivíduos e ao apoio mútuo ao longo do tempo. A solidão vai na direção contrária à da evolução.
"Ela é como a dor ou a fome. É sinal de que algo não vai bem e que precisamos reforçar os vínculos sociais", afirmou Cacioppo à Folha, por telefone.
Os estudos que o autor conduziu, com estudantes da Universidade do Estado de Ohio (EUA) e um grupo de adultos mais velhos, apontaram que os solitários têm uma qualidade de sono pior do que os demais e estão mais propensos a doenças cardiovasculares e infecciosas.
A explicação também tem um quê darwinista: "A solidão crônica coloca a pessoa em estado de alerta constante, porque ela tem que se defender sozinha", diz.
Como resultado, o solitário passa mais tempo com altas concentrações de cortisol, hormônio ligado ao estresse.
O psicoterapeuta Roberto Golgkorn, que também escreveu um livro sobre o tema, "Solidão Nunca Mais" (Ed. Bertrand Brasil), concorda com o colega. Para ele, uma sociedade sem troca de afetos não consegue evoluir.
"Deve haver um fio que costure a identidade de todos, como em um formigueiro, que mais parece um organismo, enquanto as formigas são as células", diz.

SÓ NA MULTIDÃO
A atriz Maristela Vanini, 39, diz que sabe o que é ser solitária na companhia dos outros. Desde os cinco anos, quando ouvia discos do Carpenters em seu quarto, ela afirma se sentir só.
Ela mora com os pais, que a apoiam. "Mas me sinto incompreendida. Em casa não se fala sobre sentimentos."
Seus pais não viram a primeira vez em que ela subiu em um palco como profissional, dez anos atrás.
"Eu cheguei toda animada para contar aquela emoção, mas estavam todos dormindo. Solidão não é opção", diz.
Para o psiquiatra Geraldo Massaro, nem toda solidão é negativa. "A pessoa pode sair enriquecida da solidão, mesmo com sofrimento. Ela pode refletir sobre a própria vida, amadurecer."
Para o vendedor de livros Leonardo Minduri, 35, a solidão é "nobre".
"Estou na sociedade por obrigação. Se eu tivesse outra opção, estaria na montanha, isolado", conta ele, que se diz um eremita urbano.
Há cerca de dois anos, Minduri juntou dinheiro, colocou barraca e fogareiro na mochila e caiu na estrada.
Alternando entre ônibus e carona, ele partiu de Belo Horizonte, onde mora, e foi até Punta Arenas, no Chile.
Com Minduri, só embarcaram livros: Rimbaud, Nietzsche, Schopenhauer e Fernando Pessoa. "Prefiro a companhia deles do que a das pessoas", afirma.
Depois de seis meses vagando, Minduri começou a trocar mensagens com uma moça que conheceu pela internet. Hoje, eles namoram. Mas ela vive a 150 km de distância dele.

CANTO SAGRADO
Orlando Colacioppo, 45, mora há duas décadas sozinho no centro de São Paulo.
Ele diz não sentir falta de ter alguém com quem desabafar em casa. "Para discutir os problemas, existem os amigos e os botecos."
O caso dele tem respaldo estatístico. Nos últimos 20 anos, segundo o IBGE, o número de casas habitadas por uma única pessoa passou de 7% para 12% no Brasil.
"Quanto mais convivência, mais atrito. Eu quero é curtir meu isolamento, no meu canto sagrado", afirma Orlando.
O designer já dividiu o apartamento com uma namorada por dois anos, mas diz que repetir a experiência seria difícil. "Se eu cair de amores, espero que ela tenha uma casa só dela."

REDES SOCIAIS
Compensar solidão física com centenas de amigos no Facebook não resolve, segundo o psicólogo Cacioppo.
"É como tentar matar a fome com aperitivo", compara. "A interação ali é eletrônica, a pessoa não é parte da vivência do amigo."
Para Sherry Turkle, psicóloga e professora do Massachusetts Institute of Technology (EUA), muitos optam pelos relacionamentos na rede por medo de contato íntimo.
"Estar conectado dá a ilusão de termos companhia sem as demandas de uma amizade", disse ela à Folha.
Segundo Turkle, autora do livro "Alone Together", lançado no início do ano, nos EUA, a tecnologia mudou a nossa experiência de solidão.
"Para fazer uma reflexão, precisamos 'postar' nosso pensamento. Assim, não cultivamos a capacidade de ficar sozinhos, de refletir por nós mesmos."
Jelson Oliveira, professor de filosofia da PUC do Paraná, concorda.
"Não sabemos mais ficar sozinhos e buscamos nos ocupar a toda hora, como se ficar sozinho fosse perda de tempo. Ocupamos o silêncio com o barulho".

Colaborou IARA BIDERMAN

SOLIDÃO
AUTORES
John T. Cacioppo e William Patrick
EDITORA Record
QUANTO R$ 52,90 (336 págs.)

domingo, fevereiro 27

São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 2011


Metade das escolas tem ensino religioso

São 98 mil colégios, públicos ou privados, oferecendo a disciplina, segundo censo da educação básica do MEC

Sem diretriz nacional sobre conteúdo, Estados e municípios adotam formatos diversos; lei veta só propaganda


ANGELA PINHO
DE BRASÍLIA

"O que são as histórias da Bíblia? Fábulas, contos de fadas?", pergunta a professora do 3º ano do ensino fundamental. "Não", respondem os alunos. "São reais!"
A cena, numa escola pública de Samambaia, cidade-satélite de Brasília, precede aula sobre a criação do universo por Deus em sete dias. O colégio é um dos 98 mil do país (entre públicos e particulares) que ensinam religião.
O número começou a ser levantado em 2009, no censo da educação básica feito pelo Inep (instituto ligado ao MEC). Ao todo, metade das escolas do país tem ensino religioso na grade curricular.
O fundamento está na Constituição, que determina que a disciplina deve ser oferecida no horário normal da rede pública, embora seja opcional aos estudantes. Escolas particulares não precisam oferecê-la, mas, se assim decidirem, podem obrigar os alunos a assistirem às aulas.
Não há, porém, uma diretriz nacional sobre o conteúdo -a lei proíbe só que seja feita propaganda religiosa e queixas devem ser feitas aos conselhos de educação.
Assim, Estados e municípios adotam formatos diversos. Uns põem religiosos para dar as aulas; outros, professores formados em história, pedagogia e ciências sociais.
É o caso do DF, onde a orientação é que não haja privilégio a um credo -embora a aula em Samambaia possa ser considerada controversa.

DISCUSSÕES
A conveniência de se oferecer ou não o ensino religioso é, sim, algo controverso.
Uma das maiores discussões ocorreu em 1997, quando, meses antes da visita do papa João Paulo 2º, o governo federal retirou da lei dispositivo que proibia o Estado de gastar dinheiro público com o ensino religioso.
Em 2008, nova polêmica surgiu quando o Brasil assinou com o Vaticano acordo que previa que "o ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental".
A controvérsia foi a menção explícita ao catolicismo, vista por alguns como privilégio a uma única religião.

SUPREMO
Para Roseli Fischmann, professora da USP, a disciplina fere o caráter laico do Estado. "Precisaríamos ter a coragem de aprovar emenda que a retirasse da Constituição", afirma.
Presidente do Fonaper (Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso), Elcio Cecchetti defende a disciplina sob o argumento de que as crenças ou a ausência delas são "dados antropológicos e socioculturais" que devem ser ensinados, mas sem privilégio a uma religião.
A polêmica chegou à Justiça. Desde o ano passado, o STF (Supremo Tribunal Federal) analisa ação em que o Ministério Público Federal pede que determine que o ensino religioso só possa ser de natureza não confessional e proibindo que religiosos sejam professores.

27/02/2011 - 09h52

Casal de ateus faz acordo e escola libera filhos de aula

DIMITRI DO VALLE
DE CURITIBA

Os pais de dois alunos de Pranchita, no interior do Paraná, fizeram um acordo com a direção da escola pública onde os filhos estudam para que eles deixassem de frequentar as aulas de religião.

A professora Eliane Lambert Junkes, 26, e o marido, o caminhoneiro Alberi Junkes, 40, são ateus e defendem o direito de os gêmeos, de sete anos de idade, não serem 'doutrinados' sobre a existência de Deus.

Marcos Labanca/Folhapress
Os gêmeos Marco Antonio, João Antonio leem em casa; familia fez acordo com escola para libera-los da aula de religião
Os gêmeos Marco Antonio, João Antonio leem em casa; familia fez acordo com escola para libera-los da aula de religião

A mãe de Marco Antônio e João Antônio não admite que as aulas de ensino religioso comecem com uma oração nem que Deus seja tratado como uma entidade real e superior, que zela pela humanidade e tem poderes para julgar as ações dos homens.

O acordo foi feito no ano passado --as crianças foram às aulas por quase três anos-- e permitiu que, nesse horário, os meninos frequentem a biblioteca. Eliane diz que a decisão foi amigável.

'Não quero que eles sejam doutrinados a crer. Ninguém precisa ser bom na vida porque tem alguém superior olhando. As pessoas devem ser boas porque isso é correto', afirma a professora.

Eliane acredita que os filhos, quando amadurecerem, poderão adquirir conhecimento suficiente para decidir qual papel a religião terá em suas vidas.

'Quando eles crescerem, teremos condições de conversar melhor', diz.

HISTÓRIA DAS RELIGIÕES

A mãe dos garotos afirma que, se as aulas tivessem outro tipo de abordagem, como a história das religiões, não se oporia ao aprendizado.

'A história das religiões é importante para contar o processo de formação do homem. Jamais vou privar meus filhos do conhecimento, mas não é o que acontecia na escola', afirma.

Procurado pela Folha, o diretor da Escola Municipal Márcia Canzi Malacarne, Everaldo Canzi, declarou que não daria entrevista por telefone porque considera o tema 'complexo e amplo'.

Ele negou, no entanto, que as aulas tenham o objetivo de 'doutrinar' os alunos a crer e disse que a 'diversidade das crianças é respeitada'.

sábado, fevereiro 26

Incertezas sobre o projeto poderão explodir prazos e custos

São Paulo, sábado, 26 de fevereiro de 2011
ANÁLISE

Incertezas sobre o projeto poderão explodir prazos e custos


A METRÓPOLE ESTÁ EM CONTÍNUO PROCESSO DE EXPANSÃO, EXIGINDO FLEXIBILIDADE DOS SISTEMAS DE TRANSPORTE

SERGIO EJZENBERG
ESPECIAL PARA A FOLHA

O monotrilho da zona leste terá que transportar mais de 40 mil pessoas simultaneamente no pico da manhã, segundo o estudo de impacto ambiental do projeto.
Não resta dúvida de que na cidade de São Paulo, com o sistema de metrô mais lotado do mundo, o monotrilho suspenso já nasce saturado.
Os sistemas elevados leves operam com capacidade de até 25 passageiros por hora por sentido. Assim, o monotrilho, para atingir a demanda prevista, será uma aventura tecnológica sem similar.
As incertezas e contingências decorrentes poderão explodir prazos (obra interminável aos olhos da população) e custos (já custando metade do que custaria o metrô convencional enterrado). Para nascer saturado.
Pensando em custo por passageiro transportado por quilômetro, o metrô, sistema testado e confiável, é imbatível perante altas demandas, como no caso presente.
O sistema de corredores de ônibus expressos com ultrapassagem custa, por quilômetro, 1/13 do sistema monotrilho suspenso -sem aventura tecnológica.
A metrópole paulistana está em contínuo processo de expansão da mancha urbana e aumento do número de viagens, exigindo flexibilidade dos sistemas de transporte.
Os sistemas de ônibus e mesmo o metrô atendem plenamente ao requisito de flexibilidade, ao contrário do sistema VLT (veículo leve sobre trilhos), que tem capacidade e dificuldade de integração com outras linhas de VLT (as estruturas das estações de transferência suspensas seriam monstruosas).
O impacto urbanístico deletério dos sistemas suspensos de transporte pode ser apreciado nos baixos do Expresso Tiradentes e do Minhocão.
Os problemas e desvantagens dos sistemas suspensos de monotrilhos, aliados às vantagens de menor custo, menor tempo de implantação e maior capacidade dos corredores de ônibus, fez com que o Ministério das Cidades, nos projetos de mobilidade incluídos no chamado PAC da Copa, optasse por corredores exclusivos de ônibus em 9 das 12 cidades-sede do Mundial de 2014.
Além disso, o VLT consome recursos que deveriam ser alocados prioritariamente na ampliação do superlotado sistema de metrô, que tem muito maior capacidade de transporte de passageiros.


SERGIO EJZENBERG é engenheiro e mestre em transportes pela Escola Politécnica da USP

Monotrilho da zona leste já começa saturado

Para especialistas, volume de usuários esperado nas horas de pico é excessivo

Metrô diz que escolha para o trecho é a mais adequada e que não haverá atrasos nem superlotação na linha


EDUARDO GERAQUE
ALENCAR IZIDORO

DE SÃO PAULO

O monotrilho projetado para ligar a região do Oratório até a Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo, a partir de 2014, já vai nascer quase saturado.
O volume de passageiros esperado no sistema nos períodos de pico, logo após sua entrega, deve atingir 40.278 pessoas por hora -conforme previsto por estudo de impacto ambiental.
A demanda é considerada por especialistas excessiva para esse tipo de transporte.
A própria Bombardier, empresa canadense integrante do consórcio vencedor da licitação, afirma que esse sistema é feito para suportar até 40 mil por hora.
O Metrô, porém, defende ter feito a escolha mais adequada pelo fato de o monotrilho ser mais barato e mais rápido de implantar do que uma linha subterrânea.
Pelos cálculos da companhia, o monotrilho será capaz de carregar até 48 mil pessoas por hora -capacidade atípica para monotrilhos pelo mundo. A estatal diz que não haverá atrasos nem superlotação porque a composição terá mais vagões que o projetado pela Bombardier.
Serão construídas 17 estações ao longo de 24,5 km até 2015 -mas, pela previsão do Estado, uma parte já deverá ficar pronta até 2014.

RESTRIÇÕES
O uso do monotrilho, tecnologia ainda inédita na capital paulista, na expansão da linha 2-verde é um erro, avaliam especialistas em transportes urbanos.
"Não condeno o monotrilho de antemão. Mas a demanda que existe no trecho justifica a construção de sistemas pesados [metrô]", afirma Klara Mori, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.
De acordo com ela, diversificar demais as tecnologias inviabiliza a consolidação de empresas nacionais voltadas para o transporte sobre trilhos. "Assim, vamos continuar comprando trens da Espanha e trilhos da China."
O problema não é apenas a capacidade do sistema, diz Marcos Kiyoto, estudioso dos trilhos urbanos da capital. "A linha projetada tem poucas conexões. Sem integração, ela vai lotada em um sentido e fica vazio em outro."
"A linha projetada poderia fazer uma curva e chegar até Itaquera." O bairro, hoje, é servido apenas pela linha 3-vermelha dos trens do metrô.
A opção pelo monotrilho deveria ser trocada pelos corredores fechados de ônibus, diz Adalberto Maluf.
"A extensão da linha 2 deverá custar R$ 4 bilhões em duas fases", calcula ele. Com esse dinheiro seria possível fazer 200 km de corredores de ônibus, diz o especialista.

domingo, fevereiro 20

Prédios expulsam clubes masculinos e mudam Augusta

São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 2011


Prédios expulsam clubes masculinos e mudam Augusta

Conhecida pelas garotas de programa, rua do centro de São Paulo já perdeu 11 "american bars" desde 2007

Novos frequentadores -agora mais jovens e ecléticos- também estão contribuindo com a mudança de perfil

Zanone Fraissat/Folhapress

Boate Maison, no centro de SP, será demolida para a construção de edifício residencial

JAMES CIMINO
DE SÃO PAULO

"Em minhas previsões mais otimistas, a Augusta do entretenimento noturno masculino deve sumir em quatro anos", afirmou na última terça-feira Carlos Garcia, 46, há dez anos porteiro-poliglota da boate Maison, no centro de SP.
O local hoje ostenta o seguinte anúncio em sua fachada: "Vende-se tudo por motivo de demolição".
A casa será a 12ª do gênero "drinks & bar" ou "american bar" - eufemismos para os clubes noturnos onde homens vão procurar garotas de programa- a desaparecer da Augusta desde 2007.
Naquela época, quando a polícia fez uma blitz no local à procura de prostituição infantil, existiam 21. Quando a Maison fechar, serão 9.
Defronte a Maison, relembra o taxista Marcos Marques, 48, frequentador da boemia da Augusta desde 1998, havia mais seis casas.
Alguns dos imóveis estão com placa de vende-se. Outros já foram vendidos, mas ainda não há informação sobre o destino deles.
No lugar da Maison, e de outros três imóveis contíguos, será construído um edifício residencial, segundo um corretor da rua Paim.
Os motivos da decadência dessas boates são dois: a crescente especulação imobiliária na região conhecida como Baixo Augusta -hoje há pelo menos 11 edifícios em projeto e execução na área. O metro quadrado ali sai, em média, por R$ 6.000.
O outro motivo é a mudança no perfil dos frequentadores. Hoje, a juventude tomou conta da rua. O público é eclético: gays, héteros, roqueiros, indies, pobres, ricos e famosos circulam por lá.
Os homens mais velhos, dizem os boêmios da Augusta, migraram para locais onde não correm o risco de encontrar filhos ou conhecidos.
O químico argentino Rufus Dangelus, 54, que vem a São Paulo para trabalhar, frequenta a Augusta há cinco anos, mas acha que logo não terá aonde se divertir na rua.
"Gosto de ir aonde vão os brasileiros. As casas da zona sul são para arrancar dinheiros de estrangeiro."

GAROTAS DE PROGRAMA
Garotas de programa contam que algumas colegas de trabalho que ficaram sem boate estão indo para o interior ou para casas em regiões mais afastadas, como Tucuruvi (zona norte), Campo Limpo e avenida Robert Kennedy (ambos na zona sul).
A maioria delas, no entanto, migra para as que permanecem abertas, como Coco Bongo, Las Jegas e Casarão. Elas dizem não acreditar que a prostituição vá sumir dali.
"Se fecharem todas as casas, as meninas vão ficar na rua. A "marca" já está consolidada: garota de programa "tá" na Augusta", diz Alana, 20, que há cinco meses circula por casas remanescentes.
O publicitário carioca Jan Noronha, 25, morador novato da cidade, e o estudante de direito da USP Felipe Picchi, 24, discordam.
Para eles, só quem mora fora de São Paulo ainda acha que a rua Augusta é sinônimo de prostituição.
"O paulistano já tem consciência de que aqui é um lugar de gente alternativa", diz Noronha. Picchi completa: "Essa ideia de vir pra Augusta pegar puta já acabou".

sábado, fevereiro 19

País não pode prescindir de professores, ilegais ou não

São Paulo, sábado, 19 de fevereiro de 2011



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ANÁLISE EDUCAÇÃO

País não pode prescindir de professores, ilegais ou não

Excluí-los do sistema resultaria em milhões de alunos sem aulas


É BOM RECICLAR PROFESSORES, MAS É POUCO PROVÁVEL QUE UM CURSO, PRESENCIAL OU NÃO, TRANSFORME UM MESTRE SOFRÍVEL NUM GÊNIO DA DIDÁTICA


HÉLIO SCHWARTSMAN
ARTICULISTA DA FOLHA

Ilegais ou não, os professores sem titulação formam um contingente de 208 mil educadores dos quais o país não pode, por razões práticas, prescindir. Excluí-los do sistema resultaria em milhões de alunos sem aulas, especialmente nas áreas mais remotas e desassistidas.
Goste-se ou não, são essas as pessoas que, nas condições de trabalho hoje oferecidas, estão dispostas a dar aulas e é com elas que as escolas vão ter de se virar.
Podem-se criar as oportunidades para que esses profissionais consigam seus diplomas, através de cursos à distância e outras facilidades. Isso já foi feito em algumas redes e é provavelmente o melhor modo de conciliar as necessidades do mundo real com as exigências da lei.
A questão é que o diploma, às vezes, não passa de um pedaço de papel. É sempre bom reciclar velhos professores, mas é pouco provável que um curso, presencial ou não, transforme um mestre sofrível num gênio da didática.
O motivo principal de o legislador ter introduzido a titulação como requisito para dar aulas não foi oferecer oportunidades de professores estudarem um pouco mais, mas sim promover ganhos de qualidade para o sistema. O pressuposto, apenas parcialmente correto, é o de que diplomas são um bom jeito de aferir essa qualidade.
O diagnóstico geral, ao menos, parece correto. O que os estudos internacionais mostram é que a qualidade do professor é determinante para a qualidade da educação ministrada.
Nessa seara, apesar das boas intenções de políticos, burocratas e da torcida do Corinthians, o Brasil faz feio.
Um estudo de 2008 da Fundação Lemann mostrou que apenas 5% dos melhores alunos (os que ficaram entre os 20% mais bem colocados no Enem) cogitam trabalhar como docentes da educação básica. A maioria dos "top 20" pensa em virar médico (31%) ou engenheiro (18%).
O contraste com os países campeões da educação não poderia ser maior. Na Coreia do Sul, para atuar no magistério é necessário estar entre os 5% mais bem avaliados no exame nacional de ingresso no ensino superior. Na Fin- lândia, os professores vêm dos 10% melhores alunos.
Inverter essa situação exige não só recursos vultosos -é preciso oferecer salários atrativos para 2,5 milhões de professores- como uma mudança cultural que devolva à categoria o prestígio social de que já gozou. Não vai acontecer do dia para a noite.

17% dos professores não têm formação ideal para dar aula

São Paulo, sábado, 19 de fevereiro de 2011
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17% dos professores não têm formação ideal para dar aula

Lei exige formação superior para docentes a partir do 6º ano do fundamental

MEC reconhece que a situação é ilegal e pode afetar aprendizado, mas diz articular políticas para sanar a questão

MARÍLIA ROCHA
NATALIA CANCIAN
DE SÃO PAULO

No Brasil, 16,8% dos professores da rede pública não têm formação suficiente para exercer a profissão e estão em situação irregular.
A LDB (Lei de Diretrizes e Bases) exige que os docentes do sexto ano do ensino fundamental ao terceiro ano do ensino médio tenham formação superior, mas 208 mil professores dessas séries concluíram apenas o fundamental ou o médio.
Por Estado, a pior situação é na Bahia, onde 50,8% dos 96,5 mil docentes dessas séries não completaram o ensino superior. Já São Paulo tem a melhor taxa nacional: 2,25% dos 238.667 professores dessa fase do ensino não terminaram a faculdade.
O levantamento, feito com base em dados do Inep (instituto ligado ao MEC) reunidos em 2009 e atualizados em janeiro deste ano, abarca o total de 1,2 milhão de professores que dão aulas nas séries em que há essa exigência.
O índice é praticamente o mesmo de 2007 (16%), quando se fez o primeiro levantamento nacional do tipo. Erivan Santos, 20, ilustra essa situação. Ele começou a dar aulas na rede pública aos 19 anos e atualmente ensina geografia numa escola particular de Acajutiba, na Bahia, enquanto está no segundo ano de pedagogia.
"Para dar aula de geografia, basta ter um bom entendimento do assunto e saber passar isso para os alunos. Não precisa de conhecimento aprofundado, não", diz.
"Esses professores estão em situação irregular e terão de fazer uma licenciatura", afirma a pesquisadora Ângela Soligo, da Faculdade de Educação da Unicamp.
O fundador da ONG Todos Pela Educação, Mozart Neves Ramos, diz que o percentual de docentes sem faculdade também descumpre metas do Plano de Educação Básica. "Parte desses professores vem de cidades menores, onde, em geral, só se estuda até o ensino médio", afirma.

OUTRO LADO
A secretária de Educação Básica do MEC, Maria do Pilar Almeida e Silva, admite que a situação dos professores sem formação suficiente "fere a lei" e pode comprometer a aprendizagem.
Segundo ela, estão em curso políticas articuladas com governos locais para sanar a questão. "Nunca temos resultados rápidos em educação, mas as políticas atuais estão bem estruturadas."
A diretora do Instituto Anísio Teixeira (que forma docentes na BA), Irene Cazorla, diz desconfiar que os dados estejam "superestimados".

Colaborou MATHEUS MAGENTA, de Salvador

segunda-feira, fevereiro 7

Cansados de carro, paulistanos optam por pegar ônibus

Saiu na Folha de S. Paulo: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0602201123.htm

Usuários concordam que serviço ainda está longe do ideal; principal reclamação é a demora no embarque

Deixar de ficar parado no trânsito da cidade é o principal motivo que leva ex-motoristas a preferirem o ônibus

TETÉ MARTINHO
DE SÃO PAULO

Malu Moraes mora nos Jardins. Em abril, vai comemorar o 60º aniversário em Milão. Para manter seu padrão de vida, cortou hábitos que considera desnecessários: restaurantes caros, roupas da estação -e carro.
"Quando me perguntam por que não engordo, digo: não tenho carro." Economia, autonomia para mudar de estratégia em congestionamentos, vontade de fazer dos deslocamentos algo menos penoso e improdutivo têm levado mais paulistanos a recorrer ao ônibus.
Quem está aderindo agora ao ônibus deu sorte. As melhoras dos últimos anos incluem carros maiores e mais novos, o bilhete único, GPSs que ajudam a verificar denúncias de má condução e um serviço de reclamações.
A principal queixa dos paulistanos, no entanto, continua sendo a demora para embarcar, responsável por quase 30% das reclamações. A experiência mais bizarra do arquiteto Paulo de Camargo, 30, envolvendo ônibus foi a bronca que levou de um ex-chefe por ter ido de coletivo visitar uma obra do escritório fino onde trabalhava. "Ele me disse que andar de ônibus é coisa de pobre. E se o cliente descobre?"
"Para mim, estranho é um arquiteto, um urbanista ou um sociólogo que nunca andou de ônibus, não conhecer a cidade dessa perspectiva", diz o empresário Ricardo Heder, 48. O hábito do ônibus pesou até na escolha da casa onde mora.
Um carro basta para ele e a mulher, a artista plástica Renata Ursaia, 37. "Acho carro chato, mas não vou dizer que ônibus é maravilhoso."
O estilista Carlos Christofani, 49, só anda de táxi, metrô, ônibus ou a pé. Ele fez uma conta e concluiu que, mesmo se andasse só de táxi, gastaria menos do que para manter um carro. Um paulistano que mora na região da Pompeia (zona oeste) e trabalha na Berrini (zona sul) teria, por exemplo, uma economia de 63% nas despesas mensais caso trocasse o carro pelo ônibus.
O transporte coletivo parece, para Carlos, "caminho sem volta" para uma cidade com quase 7 milhões de veículos. "Tenho crédito pré-aprovado de R$ 110 mil para comprar carro numa conta que se tiver R$ 100 de saldo é muito", afirma.
Todos os dias, Matthew Shirts, 52, editor da revista "National Geographic", vai e volta de ônibus do trabalho. "O ônibus é o primo pobre do transporte urbano. São poucos e lotados, não têm amortecedor, não têm câmbio automático. É como diz Jaime Lerner: "O problema é que ninguém importante anda de ônibus'", diz o jornalista americano. Sem falar na tarifa, R$ 3, a mais cara do país. "O governo brasileiro devia premiar quem usa ônibus, assim como na Alemanha as pessoas ganham dinheiro para ter filhos."