quarta-feira, maio 28

My Blueberry Nights - Beijo Roubado


Vi o filme. Acho que o que agrada nele é a fácil identificação com situações que já vivemos, principalmente a questão dos relacionamentos findos, e o medo de assumir novos, ou então investir na imagem da pessoa amada perdida, e sofrer, acreditando que isso nos torna mais nobres, de algum modo.
Certo está Jeremy (Jude Law) - podemos dizer -, que guarda a sete chaves as histórias e angústias, que é capaz de deixar seu grande amor ir e permanecer no mesmo lugar, esperando... até o momento em que decide roubar um beijo, que sequer é sabido pela beijada - qual o sentido disso?
Acho que se eu me atrever um pouco, posso extrapolar a idéia e dizer que é um filme dentro de um filme. As fitas que Jeremy grava, e depois assiste como se fossem ficção, para mim, indicam a postura que ele toma, e que todos no filme, de certo modo, tomam. Ninguém participa de nada, a vida acontece, e só.
Elizabeth (Norah Jones) assiste seu ex-amado com outra, pela janela do quarto, e assiste, sem se envolver, as pessoas ao seu redor; Jeremy assiste as fitas, e assiste todos que passam por sua vida - não tem coragem de ir atrás do amor, fica estagnado, esperando - chega a ser irritante!
Arnie (o policial alcoólatra) bebe a vida em uma garrafa - idiota! -, enquanto sua ex-mulher assiste, de camarote e com decote provocativo, sua morte, lentamente. Leslie (Natalie Portman), com sua arrogância loira, vê a vida de seu pai se esvair, e tem raiva, descabida, mimada.
O filme todo parece um sonho, talvez daí o título, My Blueberry Nights: a noite azul, a noite melancólica, do narcisismo que nos paralisa. Eu, que não tinha gostado/entendido o porquê das cenas lentas despropositadas, agora talvez entenda: não é tudo um sonho? ou um pesadelo? a vida... nem vou comentar sobre ninguém pedir torta de blueberry, senão vou ficar bravo :OP

sábado, maio 24

Mentiras que a gente compra

Calma, não se trata de nenhuma verdade à la Michael Moore. Mas bem que poderia. O site alemão Pundo (confira as outras fotos no site) traz uma série de fotos de produtos, como os que diariamente compramos aqui no Brasil, cuja embalagem promete o manjar dos deuses, mas na hora C (sim, não errei não, é hora C mesmo, de Comer!) nos deparamos com algo medonho. Fica a lição para aqueles que acham que Photoshop é usado somente em revista de mulher nua e afins (lembram-se do caso do umbigo apagado da barriga da modelo? Confira aqui).

domingo, maio 18

O que O Estrangeiro tem a ver com Arquitetura?

Finalmente, após meses, consegui terminar a leitura d'O Estrangeiro, do Camus. Esperava mais do livro. Não que seja ruim, pelo contrário, a idéia toda é ótima, mas a narrativa, seca demais, acaba minando aquela vontade de virar a página, para ver o que acontece em seguida.
O livro fala, em linhas gerais, do estranhamento, de sentir-se um estrangeiro no mundo, ... enfim, não encontrei inspiração para continuar este texto, então, vou falar de outro livro, muito interessante, que li no fim do ano passado: A Arquitetura da Felicidade, do filósofo suíço Alain de Botton.
Nele, Botton discorre sobre a influência da arquitetura em nossas vidas, bem como a noção do que é um edifício bonito. Afirma que a beleza das construções e dos objetos ao nosso redor possui a incrível habilidade de influenciar se somos felizes ou infelizes, e que a noção de beleza depende do que nos falta ou daquilo a que almejamos.
Faz sentido. Para ele, a periferia de Paris é um exemplo de arquitetura impedindo que os moradores desenvolvam suas faculdade plenamente: o projeto estéril, com linhas retas e modernas, não permitiria a criação de vínculos que recuperem o sentimento de afetividade proporcionado pela cidade natal dos moradores, subjugando-os, então, ao ambiente menos orgânico e artificial.
Analisando as construções pelo mundo, o autor percebe uma relação aparente entre como a população de um dado país se percebe/deseja ser percebido ou o que almejar ser e o estilo arquitetônico adotado.
Pessoalmente eu gosto de prédios com características orgânicas, com movimento, e ao mesmo tempo me encanto pelos que exibem linhas retas e exatas, concreto aparente com vidro. Olhando pelo prisma de Botton, talvez isso indique eu eu busco ordem e ao mesmo tempo uma saída de emergência dessa ordem em alguns momentos. A arquitetura contemporânea parece ilustrar bem o que me atrai, como a construção finlandesa acima: simples e sofisticada.
Olhando para São Paulo, notamos a falta de construções que podem ser objeto de contemplação. Vemos somente um monte de concreto em cima de concreto, mas nada digno de ser olhado com olhos de descoberta. Nos sentimos deslocados, estranhos, sem rumo e sem um lar. Apenas moramos aqui, não temos um lar, porque nos foi negado o vínculo. Bem, talvez eu tenha encontrado o que O Estrangeiro tem a ver com a Arquitetura..., do Botton, somos estrangeiros sem lar em São Paulo. É o que parece... é o que fica...

quinta-feira, maio 15

Distribuição de renda

Deu na Folha da S. Paulo (on-line) de 15/5: no Brasil os 10% mais ricos da população concentram 75% da riqueza. Não é de se espantar, afinal, seguimos nossa trajetória histórica de desigualdade na distribuição de renda. O estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), no qual a reportagem da Folha de baseia, ainda indica que a cidade de São Paulo desponta como a mais desigual, seguida de Salvador e Rio de Janeiro. Há quem diga que parte da culpa se deve à injustiça tributária, em que os ricos pagam pouco imposto quando comparados aos pobres.

O coeficiente de Gini, que mede a desigualdade na distribuição de renda/riqueza, aponta o Brasil como um dos mais desiguais historicamente, na frente de países como Suazilândia, Zimbábue, Moçambique, Ruanda (vale lembrar que o coeficiente não leva em conta o tamanho do país) - os países escandinavos e o Japão figuram entre os com melhor distribuição (lembre-se do tamanho desses países).

O mapa mostra o coeficiente Gini no mundo (o amarelo representa países com distribuição mais igualitária, e o rosa os mais desiguais).

O gráfico apresenta a distribuição histórica de renda de alguns países selecionados (os dados foram coletados de informações publicadas pelo Banco Mundial).

De qualquer modo, o Brasil está entre os melhores no Índice de Desenvolvimento Humano (ocupa a 70ª posição, o que não é ruim, mas Cuba está na 51ª!).

No país em que lojas de luxo são vizinhas de favelas e pontes monumentais tentam maquiar o fedor do rio, a gente pode esperar de tudo. Até mesmo fonte pra cachorro beber água em shopping center, enquanto crianças morrem de fome nos faróis.

Fonte: mapa - United Nations Human Development Report 2007-2008 - http://hdr.undp.org/en/]

terça-feira, maio 13

A prosopopéia do mercado

Foi-se o tempo em que somente na Literatura havia seres inanimados ou animais agindo como pessoas, expressando sentimentos humanos e fazendo coisas de gente. Se outrora eram os dias que podiam estar tristes, a rosa que acordava despenteada, a raposa que dava lição sobre o valor da amizade - exemplos abundam -, nas últimas décadas são os Estados Unidos que dizem preferir resolver a questão com o Irã diplomaticamente, o navegador da internet que adora travar, a Bovespa que está confiante, ou o mercado que exige que as modelos sejam magras. Este último, em especial, parece ter se tornando um ser vivo, pensante, que tem a primazia das nossas vidas. É curioso que uma "coisa" criada por nós mesmos acabe ditando nosso comportamento. Nada mais perverso, acredito.

Ouvimos diariamente que o mercado exige profissionais altamente qualificados, que o mercado é implacável, que as modelos que o mercado quer devem ser magras... Ora, partindo da noção de que o mercado não existe como um ser autônomo, pensante, que respira, come, etc., como é que ele pode exigir coisa alguma? O perverso da história toda é que somos nós os criadores dessa personagem, atrás da qual se escondem os caracteres desviantes e que a utilizam para manipular. O mais inquietante, contudo, é que parece termos nos esquecido de que "mercado" nunca foi nem nunca será um ser vivo. Fomos, então, acometidos por uma psicopatia e não conseguimos mais enxergar a realidade? Talvez postos novamente na caverna e realmente acreditamos naquilo que nos contam? Que criamos doenças que antes não existiam - fobias, depressão, transtornos alimentares, hiperatividade, TOCs, estresse -, não é novidade, mas se nunca pensamos em enquadrar essa histeria coletiva chamada "mercado" nas "doenças modernas", devíamos agora! As qualidades do Sr. Mercado se enquadram bem na definição de psicopata: ele é perverso e, apesar de se manter a par da realidade, é desprovido de superego - comete atos criminosos sem sentir culpa!

Em última análise, acredito que criamos um mercado que toma as decisões por nós, pela mesma razão que criamos um Deus-todo-poderoso que determina nossa sorte: não queremos ser responsáveis pelos nossos atos. Logo, nada mais cômodo que criar um velhinho-que-sempre-existiu, ou um "ser-mercado", para justificar nossas frustrações, nossas felicidades, nossa (des)motivação... Nossa necessidade de regras é patente, haja vista os diversos códigos - jurídicos, de conduta, de etiqueta, de "bem falar", de "bem vestir", etc. -, que criamos para frear nossos impulsos de destruição. Sartre escreveu que "quando muitos homens estão juntos, é preciso separá-los pelos ritos, senão matam-se uns aos outros
", ou seja, somos ao mesmo tempo seres gregários e nos detestamos, e "um homem não pode ser mais homem do que os outros, porque a liberdade é igualmente infinita em todos". Vai entender...

domingo, maio 11

O que acreditamos

Navegando na Internet, encontrei este quadrinho interessante sobre o processo de criação de significado. Acredito que nossa interação com o mundo, em boa parte, se dê por meio da linguagem, mais especificamente pela função nomeadora com a qual nos equipa. Nomeando damos vida às "coisas" que, de outro modo, permaneceriam no limbo dos nossos pensamentos.
Dulce, uma grande amiga e escritora-em-formação - exímia tradutora, vale ressaltar -, vive às voltas com problemas tradutórios (cf. O Inferno de Dulce), além de já ter expressado a dificuldade de se botar no papel o pensamento mais simples, às vezes.
Como mostrado no quadrinho, o enunciador 1 tem uma imagem completa do cachorro, e o enunciador 2 precisa que este lhe dê mais dados para compreendê-la. No entanto, o que se desenvolve é que o enunciador 1, apesar de ter sempre o mesmo cão em mente, atribui valores diversos cada vez que vai falar dele. A imagem mental que o enunciador 2 tem, por sua vez, muda a cada nova informação, e ele, no final do diálogo, chega à imagem de um cão diferente, restando ao enunciador 1 indagar-se por que é que ninguém o entende.
Eu poderia ensaiar diversas explicações porque isso acontece, mas quero me ater a um aspecto: talvez seja exatamente essa habilidade de descrever imagens de modo simples e ao mesmo tempo completo que distingue um escritor interessante do mais enfadonho. Então, a facilidade com que o texto nos aprisiona estaria ligada diretamente à fidelidade da imagem que está no limbo das idéias, que o escritor, com a maestria que o ofício lhe proporciona, põe no papel, para deleite do leitor.
É isso...


Imagem: http://www.webbschool.com/rhood/english2/toolbox_2005_06.htm