quarta-feira, julho 23

A insustentável leveza de ser Atlas

A mitologia grega nos informa que Atlas foi um titã incumbido de sustentar o mundo. A lenda diz que Hércules tinha de apanhar algumas maçãs de ouro no jardim das Hespérides, mas sabia que Atlas era o único capaz de fazê-lo, então propôs a ele que fizesse o trabalho enquanto sustentava o firmamento. Atlas retorna e, tentando enganar Hércules, diz que ele mesmo iria entregar as maçãs. Hércules era bem espertinho e, para não cair nessa, diz que precisava de sua ajuda para ajeitar o céu em suas costas. Atlas sustenta os céus por um instante, mas Hércules vai embora com as maçãs, deixando-o no eterno suplício.
Pensando em termos atuais, não estamos tão longe de ser Atlas em nosso cotidiano... carregamos o mundo nas costas, metaforicamente, quando não temos mais tempo para as coisas prazerosas da vida, como dormir, comer uma refeição em paz, contemplar o céu, as árvores, sentir o solzinho batendo no rosto num dia frio, ou mesmo quando temos a impressão de que nossos dias estão cada vez mais curtos.

Sobre a dicotomia leveza-peso é que Kundera monta sua narrativa em A insustentável leveza do ser. O autor toma uma perspectiva existencialista, em que a leveza é entendida como a vida descomprometida, e o peso como o comprometimento. Acredito que a leveza, a frivolidade, a superficialidade com a qual nos relacionamos com o mundo e com as pessoas destitui nossas vidas de sentido. O contrário é verdadeiiro também: nosso comprometimento com o mundo e com os afetos nos dá os motivos para viver.

Então, por que temos tanto medo de viver? Se o peso do mundo já está em nossas costas, por que não dividi-lo com mais alguém, com amigos, amores, sentidos de vida... Atlas sofre, mas tem sentido pelo qual sofrer; o peso de sua existência é o peso que seus ombros podem aguentar.

sábado, julho 5

Tempus edax rerum...

Ovídio, nas Metamorfoses, disse que tempus edax rerum est. O tempo é o devorador das coisas. Mas o que dizer de uma fotografia?

Há algumas semanas visitei o Museu da Língua Portuguesa e assisti novamente ao show no terceiro andar. Para quem ainda não conhece, trata-se de uma apresentação de poemas musicados com a projeção de imagens nas paredes e teto da instalação. Um poema que sempre me chama a atenção é um diálogo de Emília com o Visconde, cujo final, em especial, me fascina:

"...a vida, Senhor Visconde, é um pisca-pisca. / A gente nasce, isto é, começa a piscar. / Quem pára de piscar, chegou ao fim, morreu. / Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso. / É um dorme-e-acorda, dorme-e-acorda, até que dorme e não acorda mais. / A vida das gentes neste mundo, senhor sabugo, é isso. / Um rosário de piscadas. / Cada pisco é um dia. / pisca e mama; / pisca e anda; / pisca e brinca; / pisca e estuda; / pisca e ama; / pisca e cria filhos; / pisca e geme os reumatismos; / por fim, pisca pela última vez e morre. / – E depois que morre – perguntou o Visconde. / – Depois que morre, vira hipótese. É ou não é?"

(Monteiro Lobato em Memórias de Emília de 1936)