segunda-feira, junho 15

E lá fui eu para Salvador

sexta-feira, 12 de junho, 2009, 00:35
Thiago fala: Carlos, você tem milhas?
Carlos fala: Tenho sim.
Thiago fala: Rola me dar umas pra Salvador?
Carlos fala: Claro.

Bem, foi mais ou menos assim que começou a viagem. Sim, fugi de São Paulo, na sexta-feira mesmo. Às 7:35 eu deixava Cumbica com destino a Salvador, na Bahia. Foi uma viagem dessas de último minuto, passagens compradas, ida pela Gol – que agora cobra o lanchinho (só deram amendoim e refrigerante para quem não pagou), e volta pela TAM - com direito a lanchinho sem pagar. Duas horas mais tarde eu desembarcava no aeroporto “internacional” de Salvador - bem arrumadinho e limpo –, num calor úmido e sufocante. Já na saída encontramos as baianas do acarajé, da cocada, da água de coco…
A cidade histórica é bonitinha – se fosse mais bem conservada, mais limpa, cheirinho melhor e mais segura... -, mas as praias são ótimas, apesar do assédio constante dos vendedores ambulantes.
Como comentei no post anterior, viagens sempre causam transformações e reflexões, e esta foi especial neste sentido. Numa cidade em que a maior parte da população é negra, eu, branco, muitas vezes era confundido com gringo e abordado sem descanso pelos vendedores – chega a ser irritante, mas deve fazer parte da viagem à Bahia. O povo, sem comentários, é muito paciente e afetuoso, de verdade. Acredito que seja bom sentir-se o estrangeiro, o diferente, às vezes. Esses tipos de situação nos colocam no papel do outro e sentimos na pele o que é ser observado, quando se é a minoria. Vale a pena como um lembrete de que somos todos iguais, ou deveríamos ser.
O tempo é algo curioso, lá passa MUITO devagar. Fiquei somente dois dias e meio, que pareceram uma semana.
Andei muito pelas ruas, ladeiras, becos históricos, a arquitetura – nos tempos prósperos, a cidade deve ter sido impressionante, mas ainda causa espanto: igrejas revestidas de ouro, fachadas detalhadamente entalhadas, cada pedra posta a compor quase que um mosaico nas ruas – e bem difíceis de andar, diga-se de passagem.
Comi pela primeira vez um acarajé, com (quase) tudo que tinha direito – não curto muito frutos do mar -, até que é bom! Comidas das quais nem lembro ou consigo pronunciar o nome, mas todas muito bem temperadas, com bastante dendê.
Visitei um café simpático, incrustado num paredão de casas, perto do plano inclinado – uma vista única da baía, e um chá mate bem gelado com limão, que refrescou a alma!
Sábado foi o melhor dia, conheci o MAM, Museu de Arte Moderna, devidamente modelado pela Lina Bo Bardi – a arquitetO, por favor -, com direito a show de jazz num lugar quase paradisíaco, à noite, além do deck do restaurante, um charme. Quem tiver a oportunidade de visitar a cidade, tire um dia todo para a área do Museu, desça pelo Lacerda, o elevador, no caminho passe pelo Mercado Modelo, e ande até lá. Só cuidado com as ciganas que tentarão a todo custo ler sua "sorte".
Não querendo imprimir um tom civilizatório - como alguns podem pensar -, a Copa do Mundo será o desafio da cidade (e de todo o Brazil, acredito). Há muito o que ser feito em Salvador nos próximos anos, e isso inclui sistema público de transportes mais eficiente, limpeza urbana… quanto aos serviços, apesar de eu ser mais um paulistano apressado, a calma com que nos servem e lidam com todos faz bem, e você acaba entrando no ritmo, e seu dia se alonga em horas que em São Paulo passariam voando.
Cheguei em São às 18h, e desci na estação de metro Consolação, que ainda estava tomada pelos alegres festeiros da Parada. De certo modo, queria estar no sossego e silêncio de Salvador... mas passou, rapidinho, e fui jantar no Exquisito!

quarta-feira, junho 10

Soltando as amarras…

Só se sabe o que escrever, escrevendo; só se sabe viajar, viajando...

Passado algum tempo sem escrever, talvez por não ter nada digno a ser dito, estou cá esperando o engarrafamento da Berrini - da qual tenho uma vista privilegiada, uns acreditam - e da Nações Unidas diminuir para voltar para casa, numa quarta-feira pré-feriado. Resolvi sentar e escrever sobre qualquer coisa, e é engraçado como as palavras vêm, e como as contradições contribuem para a idéia. Maior engarrafamento do ano, diz o UOL, e eu aqui planejando minhas férias, em outubro - viajar e estagnar. Desejo de mudar e a realidade que permanece.

Decidi que minha próxima viagem será para a Europa, 20 dias de liberdade da rotina do trabalho, do cotidiano caótico de São Paulo, flanando pelo Velho Mundo... sim, quero ser um flâneur, como dizem os franceses - vagar, sem rumo, experienciando os lugares, pensando na vida, sem compromisso outro que não esse.


Acho que pensar uma viagem talvez seja a parte mais divertida, pois traz expectativas que podem ou não se concretizar – sobre isso Alain de Botton fala em A Arte de Viajar –, porque tudo o que fica no ideal nos é aprazível e seguro. Mas o propósito de uma viagem vai além: segundo Botton, viajar nos faz perceber nosso lugar no mundo, nossa insignificância quando comparados com tudo o que existe de grandioso. Viagens nos permitem tempo para refletir sobre quem somos, quem gostaríamos de ser e como nos relacionamos com o mundo. Viajar parece ser intrinsecamente relacionado com mudar. Para Descartes, viajar é quase como conversar com o que existiu no passado.


Voltando a minha vista privilegiada aqui no escritório: passo o dia todo olhando para a Hípica, o vai-e-vem da Berrini, e os aviões – inúmeros – levantando vôo e pousando no aeroporto de Congonhas. Ver todos esses aviões me faz criar histórias sobre o destino de seus passageiros e provoca mais e mais a vontade de soltar as amarras e navegar o mundo. Mas por que será que temos essa gana de viajar? Navegamos o mundo em busca de algo, mas retornamos para casa para encontrá-lo… e, na verdade, retornamos com a nossa experiência, que será reinterpretada e ressignificada cada vez que lembramos da aventura. Em busca disso, planejo fazer um diário da minha viagem, registrando as impressões sobre a comida, arquitetura, as pessoas, absolutamente tudo que eu conseguir, para mais tarde, de volta ao lar, relê-las – dias, semanas, meses depois – e verificar o que mudou em mim.


Talvez meu desejo em viajar seja, de fato, relacionado à descoberto, à liberdade e ao acaso. Venho aprendendo a me deixar levar pelas coisas – e, isso é muito bom, de verdade!
O acaso me prega belas peças. Caso recente foi com meu laptop: pensei em fazer backup e formatá-lo semana passada, mas as coisas aconteceram sem que eu planejasse, e o dito cujo se autoformatou… para meu alívio, eu diria, pois estava protelando o desgaste de separar todos os arquivos dos últimos 5 anos que havia no HD. O que não se quer remediar, remediado está. Me desapeguei da idéia de ter perdido minhas memórias desses anos, pois elas estão todas guardadas e devidamente vívidas em mim.


Imaginar e escrever é meu modo de escapar, especialmente enquanto o trânsito não flui; especialmente enquanto chove lá fora e São Paulo parece desaparecer, dissolvida na água da chuva.