domingo, julho 12

A hora do verão

O cinema francês sempre instiga a reflexão, parece recusar-se a entregar a trama pronta, a esmiuçar a narrativa. Os espectadores devem, então, se esforçar para dar significado ao que lhes é mostrado e encontrar dentro de si o que está oculto. Para mim, ver um filme francês sempre é a descoberta dos desejos que eu cismo em esquecer que existem. O filme L'Heure d'Été (Horas de Verão) é um drama que mostra o processo de partilha da herança e das memórias do pintor Paul Berthier, deixadas pela mãe de três filhos, cada um com suas trajetórias de vida, e de como cada um deles atribui valor sentimental e econômico aos bens partilhados. O filme vai além, mostra que, não obstante esses bens terem valor artístico-econômico, fazem parte da história de vida e são parte dos três filhos. Apesar disso, cada um deles dá valor e importância diversos aos objetos e às memórias propriamente. No fim das contas, o que levamos são as lembranças e não o valor econômico dos bens que herdamos. Uma obra de arte só tem valor quando num contexto e nas mãos da entidade certa - assim como nossas memórias, bens são feitos de história e o valor dado a eles vai além do material com o qual são produzidos. Nossas memórias valem à medida em que as sentimos e vivenciamos.
Para mim, o título do filme - L'Heure d'Été, a hora do verão - já indica que o filme fala de um episódio transitório na vida dos protagonistas. O verão tem hora para começar e acabar, assim como a vida, assim como tudo. Então, a mensagem do filme é a efemeridade do material E das relações humanas; no final, levamos somente o que vivenciamos de fato, objetos serão sempre objetos, que quando são postos para fora do contexto original não têm significado, e a ninguém dizem respeito, exceto como curiosidades.
Alguns objetos do espólio acabam sendo vendidos ao Museu D'Orsay, onde turistas olham para uma escrivaninha, uma poltrona, para vasos que, despojados de seus contextos, são apenas objetos, perdem sua essência. O olhar do filho para os objetos expostos é melancólico, a saudade patente, e a certeza de que parte de sua história foi posta em cárcere é expelida de seus olhos de modo significante.
Do mesmo modo, escrever no blog faz todo o sentido para mim, num dado contexto; para quem lê, alheio à experiência que desencadeia a idéia, talvez pouco importe, talvez seja nada mais que um móvel incômodo sobre o qual nada se sabe e com o qual nada pode ser feito...