terça-feira, março 24

O que a evolução nos ensinou


Estou às vésperas de terminar a leitura de um livro superinteressante, chamado O Colar do Neandertal (Juan Luis Arsuaga); nele, além de muita informação sobre diversos aspectos da vida dos neandertais e dos cro-magnons (os últimos, nossos ancestrais diretos), o autor apresenta dados estatísticos sobre mortalidade infantil para ambas as espécies - que, diga-se, era muito alta. Pois bem, antes do advento da Medicina como a conhecemos (hospitais, postos de saúde, vacinas, terapias diversas, cirurgias, antibióticos, DNA...), a taxa de mortalidade era muito alta; até mesmo no começo do século passado - e em muitos países subdesenvolvidos ainda, especialmente na África - perder uma criança era (é) comum, e visto como um fato da natureza. O que mudou, então?

Parece que nossa sociedade moderna perdeu a habilidade de aceitar a morte. Se outrora nada podia ser feito, exceto calmamente aceitarmos o inevitável, hoje lançamos mão de recursos mil para evitá-la, e quando somos vencidos, nos entregamos de corpo e alma ao lamento e ao desespero... se no passado era comum pensar na morte como algo que fazia parte da vida - haja vista os famosos álbuns de pessoas mortas em cenas do cotidiano, no século XIX (veja) -, hoje só a idéia nos provoca arrepios. Nossa é uma cultura em que a juventude é celebrada, a obsessão por corpos sarados, exercícios para garantir a saúde e a juventude é louvada, como se estivesse a todo custo negando a morte.

O poeta William Cullen Bryant (1794-1878) escreveu diversas obras com a temática "morte" (dizem ter escrito seu poema mais famoso, Thanatopsis, com 16 anos), e com tal maturidade, que serve de resposta a nossa cultura narcisista. Em linhas gerais, o poema nos adverte a aproveitar a vida e os ensinamentos da natureza, a aceitar o inevitável - a morte - e nos conformarmos que, morrendo, retornamos ao pó, e por meio dele fazemos parte de algo maior, da própria natureza.

A visão de Bryant me é agradável, pois o meu conforto vem exatamente da idéia de fazer parte da humanidade por meios físicos e naturais - e por não eu crer numa vida além-morte, nem em qualquer tipo de entidade-lá-em-cima.
Acredito que não devíamos ter tanto medo da morte assim - especialmente os que se dizem crédulos nas religiões que lhes pregam uma outra vida confortada por um Deus (shame on you, religious people). Também torna-se pensamento recorrente, conforme a idade chega (estou com 27 anos), que sempre que usam a inevitabilidade da morte como justificativa para o hedonismo desenfreado, pede-se exatamente o oposto. Devemos, sim, viver nossas vidas intensamente, mas com seriedade e dando valor às coisas duradouras, pois os corpos de 18 anos se acabam, as rugas aparecem, a falta de conteúdo e a superficialidade tornam-se patentes, o que fica são os ensinamentos da vida, da natueza... temos de (tentar) conviver com a morte harmonicamente, pois é parte da vida. Como diz Hamlet (ato V, cena ii), o resto é silêncio.

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