terça-feira, maio 13

A prosopopéia do mercado

Foi-se o tempo em que somente na Literatura havia seres inanimados ou animais agindo como pessoas, expressando sentimentos humanos e fazendo coisas de gente. Se outrora eram os dias que podiam estar tristes, a rosa que acordava despenteada, a raposa que dava lição sobre o valor da amizade - exemplos abundam -, nas últimas décadas são os Estados Unidos que dizem preferir resolver a questão com o Irã diplomaticamente, o navegador da internet que adora travar, a Bovespa que está confiante, ou o mercado que exige que as modelos sejam magras. Este último, em especial, parece ter se tornando um ser vivo, pensante, que tem a primazia das nossas vidas. É curioso que uma "coisa" criada por nós mesmos acabe ditando nosso comportamento. Nada mais perverso, acredito.

Ouvimos diariamente que o mercado exige profissionais altamente qualificados, que o mercado é implacável, que as modelos que o mercado quer devem ser magras... Ora, partindo da noção de que o mercado não existe como um ser autônomo, pensante, que respira, come, etc., como é que ele pode exigir coisa alguma? O perverso da história toda é que somos nós os criadores dessa personagem, atrás da qual se escondem os caracteres desviantes e que a utilizam para manipular. O mais inquietante, contudo, é que parece termos nos esquecido de que "mercado" nunca foi nem nunca será um ser vivo. Fomos, então, acometidos por uma psicopatia e não conseguimos mais enxergar a realidade? Talvez postos novamente na caverna e realmente acreditamos naquilo que nos contam? Que criamos doenças que antes não existiam - fobias, depressão, transtornos alimentares, hiperatividade, TOCs, estresse -, não é novidade, mas se nunca pensamos em enquadrar essa histeria coletiva chamada "mercado" nas "doenças modernas", devíamos agora! As qualidades do Sr. Mercado se enquadram bem na definição de psicopata: ele é perverso e, apesar de se manter a par da realidade, é desprovido de superego - comete atos criminosos sem sentir culpa!

Em última análise, acredito que criamos um mercado que toma as decisões por nós, pela mesma razão que criamos um Deus-todo-poderoso que determina nossa sorte: não queremos ser responsáveis pelos nossos atos. Logo, nada mais cômodo que criar um velhinho-que-sempre-existiu, ou um "ser-mercado", para justificar nossas frustrações, nossas felicidades, nossa (des)motivação... Nossa necessidade de regras é patente, haja vista os diversos códigos - jurídicos, de conduta, de etiqueta, de "bem falar", de "bem vestir", etc. -, que criamos para frear nossos impulsos de destruição. Sartre escreveu que "quando muitos homens estão juntos, é preciso separá-los pelos ritos, senão matam-se uns aos outros
", ou seja, somos ao mesmo tempo seres gregários e nos detestamos, e "um homem não pode ser mais homem do que os outros, porque a liberdade é igualmente infinita em todos". Vai entender...

3 comentários:

Anônimo disse...

Eu acho que entendo o que você sente quando fala do "mercado". A meu ver, é a idéia de coisificação das pessoas, como se fossemos produtos negociáveis em vitrines de lojas ou em prateleiras de supermercados. De fato, também no "mercado humano" impera a lei da concorrência, e a verdade é que o homem não sabe concorrer lealmente. Quanto mais "evoluimos", mais perto estamos da Lei da Selva!!!

Cris disse...

Muito bom seu texto!
Neste fim de semana estava participando de umas discussões em um grupo sobre essa questão do aspecto gregário do ser humano e também do "enxergar a realidade".
Ontem, conversei longamente com um colega de trabalho, amigo de oito anos, sobre justamente estas questões de motivação e responsabilidade.
Também acho que nós somos a causa de tudo que nos acontece! Realmente cabe a nós assumir as rédeas das nossas vidas ou deixarmos que o sr. Mercado ou o dr. Destino dêem as cartas por nós... mas depois não poderemos reclamar!

Dulce Spinelli disse...

ESTE É MEU AMIGUINHO GENIAL!!!! Thi, a cada dia que passa me sinto mais orgulhosa de ter você como amigo! Como diria a Kika, "quero ser como você quando crescer", rsrs. Mas já me sinto feliz de ENTENDER o que você diz, e aprendo muito com você! A-D-O-R-E-I a "mercadite aguda" que nos assola, hahahah!!! Definitivamente, você TEM que ser filósofo!