terça-feira, junho 10

Quem sou?

O texto da Dulce (Condutas de risco) me fez pensar um pouco sobre a questão dos simulacros e das simulações, como apresentada por Jean Baudrillard. Os simulacros visam enganar, fazer com que o falso se passe por verdadeiro. As simulações, contudo, não têm o intuito de ser representações falsas nem verdadeiras, mas apenas reproduzir o real.

Focando não necessariamente no texto dela, mas da idéia que pode ser extraída dele, talvez seja possível entender a atuação de Clayton como um jogo de simulações e de simulacros. Sua atuação profissional usa dos simulacros para atingir um fim: ganhar casos judiciais, ludibriar, etc. Quanto aos simulacros, sabemos ser possível tomar o falso pelo verdadeiro e vice-versa; no entanto, a simulação, por não pretender-se nem verdadeira nem falsa, nos deixa num estado constante de incerteza.

Partindo dessa idéia, podemos ver a pergunta "então, quem é você?" como a incerteza sobre a própria existência do protagonista. Afinal, ele é um indivíduo com seus princípios, certezas, medos, paixões, etc., ou uma simulação de alguém que acredita ser? Somos, nós, simulações das pessoas que imaginamos ser?

Diferentemente do filme, nossas vidas (agora insistindo numa definição existencialista) não são predeterminadas, nem sabemos de antemão quem somos, a existência precede a essência. Somos frutos de nossas experiências, ou condutas, se preferir. Acredito que, em certa medida, todos seguimos mais ou menos os passos da jornada do herói, sempre nos aproximamos da caverna oculta, mas nunca chegamos a adentrá-la... talvez nossa jornada seja, na verdade, a combinação de pequenas viagens, que no fim podem ser postas todas num livro, para que algum dia alguém possa indagar: "então, quem é você?". Não estaremos mais aqui para responder, mas só então teremos a resposta. Um contra-senso, aparentemente.

2 comentários:

Dulce Spinelli disse...

Curiosamente, ontem à noite nosso professor de poesia nos deu uma tarefa semi-impossível: a de escrever um poeminha dizendo, justamente, quem somos. Embora ainda esteja em fase incipiente (aliás, pitacos são bem-vindos!), eis o que escrevi, em parte inspirada pelo seu texto, que já tinha lido:

IDENTIDADE

Aquilo que sou, não sei.
Só que um dia não fui,
E outro dia não mais serei.

Em meio a esses dois não-seres
Só posso dia a dia ser;
Quem sou? se um dia souber
Não me caberá mais viver.

Bijocas!

Cris disse...

Seus textos estão cada vez mais interessantes. Temas muito bacanas de serem pensados! Estimulam a reflexão (me fez até arrumar mais um intervalo no meio do trabalho atrasado)!

Acho que existência e essência se “realimentam” continuamente em nosso processo de autodesenvolvimento e autoconhecimento. Não começamos como uma tábula-rasa ou recipiente oco, mesmo que os professores tradicionais insistam nisto. Já trazemos algo que vai sendo mudado pelas experiências vivenciadas e que nos faz escolher, ou nos depararmos, com uma ou outra experiência, que molda este algo. Ou seja, a essência aponta a “rota marítima” a seguir, que, por sua vez, age, com suas ondas e “monstros”, sobre “o navio”/“she”/”a essência”, tirando tinta, enferrujando ou algumas vezes até dando um brilhozinho.

Acho que podemos sim “adentrar” nesta caverna que é nosso eu. Podemos tirar de nossas múltiplas viagens a tão esperada resposta à questão “quem sou eu?”.

Mas para isto precisamos descobrir a resposta para outra pergunta: quem nos comanda? Nós mesmos ou nosso cérebro? O “homem-pós-moderno” é comandado pela mente, mas o “homem-holístico” aprende que ele é quem deve comandar seu cérebro. Bom, pelo menos é isto que estou tentando fazer na yoga! Tirar meu cérebro do comando do timão e assumir o leme da minha vida! E assim, vemos quem somos, sem a ilusão de nosso cérebro confuso. Nos equilibramos em posturas antes tidas como impossíveis por nosso cérebro e o colocamos no seu devido lugar, dando espaço para nós mesmos. Coisa difícil, mas não impossível, para uma matemática doida como eu.

Mas, para o caso do poema da Dulce estiver certo, vou ver se faço meu testamento em breve! :-D

Parabéns, Thi!

Belo poema, Dulce! Está muito bom! Parabéns também!

Bom fim de semana a ambos!